Liu Jiakun, o arquiteto chinês foi anunciado como o vencedor do Prêmio Pritzker de Arquitetura de 2025, trilhou uma jornada profissional única e pessoal, que foge das narrativas tradicionais da arquitetura moderna. Com um olhar atento para a tradição chinesa e uma abordagem profundamente contemporânea, Liu tornou-se um nome mundialmente reconhecido, não apenas pela qualidade de suas obras, mas também pela reflexão filosófica que elas proporcionam sobre o papel da arquitetura na sociedade.
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fonte: pritzkerprize |
Liu Jiakun: a arquitetura como fluxo, a sustentabilidade como essência
Em um mundo onde a arquitetura se debate entre o espetáculo e a funcionalidade, Liu Jiakun emerge como um farol de sensibilidade e respeito pelo ambiente. Vencedor do Prêmio Pritzker 2025, o arquiteto chinês personifica a filosofia da água, adaptando-se e transformando os espaços com uma leveza que reverbera em cada traço de sua obra.
Aos 69 anos, Jiakun não apenas projeta edifícios, ele esculpe paisagens que dialogam com a história e a cultura local. Sua arquitetura, impregnada de materiais tradicionais e técnicas ancestrais, encontra na sustentabilidade um pilar fundamental. Em um momento em que a crise climática demanda soluções urgentes, Jiakun nos lembra que a verdadeira inovação reside na harmonia entre o homem e a natureza.
A filosofia da água: uma arquitetura permeável
"Ser como a água", essa é a máxima que guia o trabalho de Liu Jiakun. Seus projetos, como o Museu do Campo de Larga da Cerâmica de Diazi, em Chengdu, e o Museu de Arte de Lu Village, em Anren, revelam uma arquitetura que se integra à paisagem, respeitando a topografia e os elementos naturais. A luz, o vento e a água são convidados a participar da composição, criando espaços que respiram e se transformam com o tempo.
A filosofia de Jiakun se manifesta em edifícios que parecem brotar do chão, com telhados verdes que se confundem com as colinas e paredes de tijolos crus que evocam a tradição local. Seus projetos não impõem formas rígidas, mas se adaptam às necessidades e aos desejos da comunidade, criando espaços de convívio e celebração da vida.
Sustentabilidade: a nova linguagem da arquitetura
Em um mundo cada vez mais consciente dos desafios ambientais, a sustentabilidade se torna um imperativo para a arquitetura. Liu Jiakun, pioneiro nesse campo, utiliza materiais locais e técnicas construtivas de baixo impacto ambiental, como a taipa de pilão e o bambu. Seus edifícios são projetados para minimizar o consumo de energia e água, com sistemas de ventilação natural e captação de água da chuva.
A sustentabilidade para Jiakun não se resume a aspectos técnicos, mas se estende à dimensão social e cultural. Seus projetos valorizam a mão de obra local e promovem a revitalização de técnicas tradicionais, gerando emprego e renda para as comunidades. Além disso, seus edifícios se tornam espaços de encontro e troca de saberes, fortalecendo o senso de identidade e pertencimento.
Novos conceitos de design: a busca pela essência
A arquitetura de Liu Jiakun nos convida a repensar os conceitos tradicionais de design. Seus projetos não se preocupam em seguir tendências ou modismos, mas buscam a essência da forma, a simplicidade e a funcionalidade. A beleza, para Jiakun, reside na harmonia entre os elementos, na honestidade dos materiais e na conexão com o ambiente.
A pandemia da COVID-19 acelerou a busca por novos modelos de habitação e espaços de trabalho. A arquitetura de Jiakun, com seus espaços flexíveis e adaptáveis, oferece um caminho para o futuro. Seus edifícios se transformam em casas, escritórios, escolas ou centros comunitários, respondendo às diferentes necessidades da sociedade.
O legado de Liu Jiakun: uma arquitetura para o futuro
A premiação de Liu Jiakun pelo Prêmio Pritzker 2025 é um reconhecimento de sua contribuição para a arquitetura e para a sociedade. Sua obra nos inspira a buscar uma arquitetura mais humana, sustentável e conectada com a natureza. Em um mundo cada vez mais complexo e desafiador, a arquitetura de Jiakun nos lembra que a beleza e a funcionalidade podem coexistir em harmonia, criando espaços que celebram a vida e o planeta.
A filosofia de Liu Jiakun, como a água, é fluida e adaptável, moldando-se aos lugares e transformando-se em uma arquitetura que transcende o tempo. Seu legado nos convida a repensar o papel da arquitetura na construção de um futuro mais justo e sustentável.
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Foto reprodução: Chen Chen |
Sua história: infância e primeiros passos no mundo da arte e arquitetura
Nascido em 1956 em Chengdu, na República Popular da China, Liu Jiakun cresceu em um ambiente fora do comum para um futuro arquiteto. Sua infância foi marcada por um intenso contato com a medicina, já que sua mãe era internista no Segundo Hospital Popular de Chengdu. Criado nos corredores desse hospital, Liu foi imerso em um ambiente cristão que, de acordo com ele, cultivou sua tolerância religiosa e sensibilidade cultural. Embora todos os membros imediatos de sua família fossem médicos, Liu demonstrou desde cedo um grande interesse pelas artes criativas, principalmente pelo desenho e pela literatura. Essa paixão artística foi o ponto de partida que o levou a se envolver com a arquitetura, quando um professor o apresentou a essa profissão em seu caminho.
Aos 17 anos, Liu foi designado para trabalhar no campo como parte do programa "Zhiqing", ou "jovens educados", uma iniciativa governamental da China que envolvia a deslocação de jovens urbanos para áreas rurais durante os anos 1970 e 1980. Na época, ele não tinha uma ideia clara sobre o que a arquitetura representava, mas essa fase de sua vida foi marcada por reflexões que o levariam mais tarde a tomar a decisão de seguir o caminho da arquitetura. Em 1978, Liu foi aceito para estudar no Instituto de Arquitetura e Engenharia de Chongqing, onde, com seus 22 anos, deu o primeiro passo em sua jornada profissional, mesmo sem entender totalmente a profissão. Ele lembra desse momento como uma espécie de despertar para um novo sentido de propósito em sua vida, como se, de repente, sua existência tivesse se tornado importante e significativa.
Formação e carreira inicial: desafios e transformação pessoal
Liu Jiakun formou-se em 1982 como Bacharel em Engenharia em Arquitetura e foi inserido no processo de reconstrução da China, um momento de intensa transformação social e política para o país. No início de sua carreira, ele trabalhou no Instituto de Pesquisa e Design Arquitetônico de Chengdu, onde começou a se destacar pela sua abordagem pragmática e inovadora.
Nos anos seguintes, Liu aceitou o desafio de se mudar para Nagqu, no Tibete, entre 1984 e 1986, um local distante e extremamente alto, situado em uma das regiões mais remotas da Terra. Ele se lembra dessa fase como uma experiência formadora, onde seu trabalho como arquiteto foi apenas uma parte do que ele considerava ser seu grande aprendizado. Durante o dia, ele se dedicava à arquitetura, mas à noite se entregava à literatura, explorando a criação de textos e alimentando sua paixão por escrever. Esse equilíbrio entre a prática arquitetônica e a literatura foi uma constante em sua vida, e ele acreditava que ambos os campos compartilham a busca por uma narrativa e uma poética do espaço.
Foi em 1993, após visitar uma exposição solo do arquiteto Tang Hua, ex-colega de faculdade, que Liu teve um momento de revelação. A exposição no Museu de Arte de Xangai reacendeu sua paixão pela arquitetura e o motivou a ver a profissão como uma forma de expressão pessoal e não apenas um conjunto de normas estéticas ou utilitárias. Esse momento marcou o renascimento de sua carreira como arquiteto, e ele começou a desenvolver uma nova mentalidade, que visava quebrar as barreiras da arquitetura convencional e criar algo mais pessoal, único e profundamente conectado à cultura e à história local.
A fundacão da Jiakun Architects: uma nova rra na arquitetura Chinesa
Em 1999, Liu fundou o escritório Jiakun Architects em Chengdu. O nome de seu estúdio reflete seu compromisso com uma arquitetura que não apenas serve a propósitos estéticos, mas também ressoa com as tradições e os valores da sociedade. Liu acreditava que a arquitetura deveria ser uma forma transcendental de arte, mas ao mesmo tempo, ser um reflexo da identidade coletiva das comunidades e das tradições locais. Sua abordagem era clara: a identidade de um lugar não deveria ser mascarada, mas sim celebrada e reinterpretada de uma maneira inovadora e relevante para o presente.
A citação do júri do Prêmio Pritzker de 2025 destaca precisamente esse aspecto da obra de Liu: “Ele revisita a tradição chinesa sem abordagem nostálgica nem ambiguidade, mas como um trampolim para a inovação. Cria uma nova arquitetura que é ao mesmo tempo um registro histórico, uma peça de infraestrutura, uma paisagem e um espaço público notável.” Liu é reconhecido por seu uso criativo de materiais locais e por integrar elementos tradicionais da arquitetura chinesa de maneira contemporânea e sustentável, sempre buscando um equilíbrio entre o passado e o futuro.
Obras e contribuições à arquitetura
Ao longo de mais de quatro décadas de carreira, Liu Jiakun e sua equipe criaram mais de trinta projetos significativos em toda a China, abrangendo uma vasta gama de tipos de edifícios, como instituições acadêmicas, espaços culturais, cívicos e comerciais, além de importantes iniciativas de planejamento urbano. Sua abordagem inovadora e focada no local tornou-o um dos arquitetos mais respeitados da China, com suas obras refletindo um profundo compromisso com a vida cotidiana das pessoas e com o ambiente em que elas vivem.
Um dos projetos mais notáveis de Liu foi o Serpentine Pavilion Beijing (2018), uma versão chinesa do famoso projeto de pavilhões temporários que ocorre anualmente em Londres. O projeto foi uma síntese da arquitetura contemporânea com elementos da cultura chinesa, reforçando a ideia de que a arquitetura não apenas reflete a sociedade, mas também influencia e molda a percepção das pessoas sobre o espaço e o tempo.
Além disso, Liu é autor de várias publicações, incluindo The Conception of Brightmoon (2014), onde explora temas como os conflitos entre utopias e a vida humana, e Narrative Discourse and Low-Tech Strategy (1997), que aborda a relação entre discurso narrativo e a estratégia de baixo custo na arquitetura. Seus escritos refletem a mesma sensibilidade que ele aplica em seus projetos arquitetônicos: uma busca incessante por significado e uma tentativa de unir diferentes disciplinas artísticas.
Exposições internacionais e reconhecimento global
A obra de Liu Jiakun foi amplamente reconhecida em exposições internacionais, como a Bienal de Veneza e a Bienal de Xangai, entre outras. Ele também foi destaque em eventos como o 20º Congresso Mundial de Arquitetos da UIA (1999) e a Exposição Internacional de Arquitetura do Museu de Arte de Xangai. Sua participação nessas exposições não apenas consolidou sua reputação global, mas também ajudou a abrir portas para a arquitetura chinesa contemporânea no cenário internacional.
Além de sua carreira como arquiteto, Liu também tem se dedicado à educação, lecionando em várias instituições prestigiadas, como a Cité de l'architecture et du patrimoine (Paris), o Massachusetts Institute of Technology (EUA) e a Royal Academy of Arts (Reino Unido). Sua paixão por compartilhar conhecimento e por debater questões fundamentais da arquitetura tem sido uma constante ao longo de sua carreira.
Impacto no mundo da arquitetura
A filosofia de Liu Jiakun é clara: ele busca ser como a água, permeando os lugares sem impor uma forma rígida e, com o tempo, transformando-se em uma arquitetura que mantém as qualidades essenciais do local. Sua obra é uma extensão dessa ideia, sendo ao mesmo tempo reflexiva, adaptativa e profundamente conectada com o ambiente. A arquitetura de Liu não é apenas um produto funcional, mas uma forma de arte que questiona, reinventa e celebra as complexidades da vida humana e do ambiente construído.
Hoje, Liu continua a praticar e a residir em Chengdu, na China, onde segue focado na criação de obras que impactam a vida cotidiana de seus concidadãos. Sua visão e contribuições para a arquitetura continuam a inspirar novas gerações de arquitetos, e sua conquista do Prêmio Pritzker de 2025 é um testemunho do impacto duradouro de seu trabalho e de sua filosofia arquitetônica.
Fonte: Prêmio Pritzker 2025 - Link para a fonte